quinta-feira, 29 de maio de 2014

CARDÁPIO ELEITORAL, Elias Ribeiro Pinto



CARDÁPIO ELEITORAL
Elias Ribeiro Pinto




DIÁRIO DO PARÀ, (28/5/14)

De buchada de bode a sapo, estômago de candidato, sabe-se, não pode recusar o prato do dia.
1 A “Veja” desta semana traz um encarte, o “Guia do Torcedor”, indicando “O que há de melhor para fazer nas doze cidades-sede” da Copa. Entre as atrações culinárias do Recife, lá está uma foto, que eu não diria inspiradora ou apetitosa, de uma buchada de bode, tradicional comida nordestina feita do estômago do bicho, preenchida por seus miúdos. O pé e a cabeça acompanham o prato.
2 A visão da iguaria me fez lembrar que estamos em ano eleitoral. De buchada de bode a sapo, estômago de candidato, sabe-se, não pode recusar o prato do dia, sob risco de melindrar os dotes culinários da anfitriã e perder seu voto, quiçá de toda a família. Além de afagar criança, é sempre recomendável dar uma paradinha no boteco da esquina para mostrar que o candidato também é povão. Nas feiras livres, deve até repetir o pastelzinho, acompanhado de caldo de cana. Imagino os candidatos hipocondríacos, ou aqueles que, como diz o povo, são chatos para comer.
3 Aos que concorrem nos limites do próprio estado, a odisseia gastronômica deve ter, pelo menos, certo aroma familiar. Mas os candidatos à Presidência, estes têm de submeter o estômago ao vasto e condimentado repertório nacional. Terá de provar não só o que o tabuleiro da baiana tem, mas acepipes de Norte a Sul. Diante do que o espera, a nossa maniçoba é canja de galinha.
4 Arriscado mesmo é quando o candidato pega o rodízio gastronômico eleitoral, pela primeira vez, já com uma certa idade. Mais desarranjado ainda é se vem de mesa refinada, de repastos diplomáticos. Foi o que ocorreu com o ministro e diplomata Roberto Campos (1917-2001).

Economista, de Getúlio Vargas a Castelo Branco, criador do BNDES, do FGTS, artífice do Banco Central, do sistema financeiro, da correção monetária etc., aos 65 anos, embaixador em Londres, mais cinco anos e Bob Fields (como a esquerda o tratava) alcançaria a aposentadoria em meio ao frio e ao fog londrinos. Mas cedeu ao canto da sereia política e decidiu se candidatar a uma vaga no Senado pelo Mato Grosso, em 1982.
Antes de ser eleito, teve de passar por uma prova de resistência culinária. Durante um banquete de comidas típicas mato-grossenses, foi apresentado ao item principal: duas enormes cabeças de boi, devidamente acompanhadas dos chifres, línguas (de fora) e olhos saltados. Não teve como escapar da iguaria, nem com um Deus Salve a Rainha.
5 No corpo a corpo pelo voto, o diplomata aprendeu outras lições. “A primeira, é que as campanhas eleitorais não são apenas manifestações cívicas. São episódios de redistribuição de renda. Num grande número de eleitores adivinha-se o pensamento: ‘Só vou rever este sacana daqui a quatro anos; é o momento de tungá-lo’”, escreveu em seu livro de memórias, o imenso mas digerível “A Lanterna na Popa”.
6 Entre esses tungadores sazonais, o caso mais pitoresco ocorreu com “um cidadão que, pela segunda vez, me pedia auxílio para doenças da sogra: pneumonia, da primeira vez; câncer, da segunda. Respondi-lhe que seria mais convincente e racional que o terceiro auxílio fosse destinado a uma tarefa mais convencional: enterrar a sogra”.
7 A segunda lição veio no discurso de agradecimento por ocasião do lançamento de sua candidatura, no interior do Mato Grosso – que ainda não tinha sido dividido. Fiel a seu perfil intelectual, abriu o discurso citando Sófocles. O candidato a governador (Júlio Campos), ao lado, puxou-lhe a camisa: “Citação de grego não tem cheiro de povo”. Campos diz que tratou de decorar o idioma dos palanques, resumido sob a sigla PAMG: “prometer, acusar, mentir e gritar”.
8 Já o eleitor, para evitar uma eventual indigestão eleitoral, que vote consciente.

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