quarta-feira, 12 de junho de 2013

A epopéia de um trabalhador, por Francisco Vaz Brasil



A epopéia de um trabalhador
Francisco Vaz Brasil

    
      Orlandinho era um homem muito trabalhador. Um baixinho forte, daqueles que chamamos de “entroncado”. Ele vivia em Muaná, lá pras bandas do Marajó. Já fez de tudo na vida: foi vaqueiro, vendeu leite nas ruas, que transportava em uma carroça puxada por um jumentinho. Foi peixeiro e até vendeu tapioca e roscas. Quando vendia roscas, Orlandinho, também chamado de “Jumentinho” (nem queira saber porque) pelos amigos próximos. Gritava pelas ruas “Olha a rosca, tá fresquinha a rosca do Jumentinho”. “Aproveita gente tá quentinha a rosca do Jumentinho”.
     Orlandinho ficou impaciente pois os negócios não iam bem. Resolveu ir pra Cametá. “Eu vu pra Cametá, eu sube que lá é bom de trabaiá” comentou na taverna do Raimundinho enquanto sorvia avidamente uma Coca-Cola. Lá, não se deu muito bem e pegou uma carona no barco e veio para Belém. Em Belém não conhecia ninguém. Andou pelo Ver-o-Pêso e em uma daquelas ruas transversais à Gaspar Viana, ele avistou, já  próximo à 1º de Março, em uma das portas havia um cartaz que dizia: “Estamos contratando pessoas para trabalhar em Monte Dourado”. Orlandinho não contou conversa – foi lá e se inscreveu. Foi muito bem atendido. A viagem de manhãzinha do outro dia aconteceu.
     Com fome e muito envergonhado porque possuía apenas uns trocados no bolso, ele voltou ao Ver-o-Pêso e lá pediu uma cuia de açaí, com farinha – seria sua refeição diária. Não havia comido nada. Dormiu ali mesmo, na escadinha.
     No outro dia, bem cedo e já com as informações onde seria o embarque, Orlandinho foi, à pés.
     Lá, identificou-se ao funcionário e tomou lugar no barco. Estava feliz. Havia conquistado um lugar para trabalhar e comida. Armou a fétida rede, nela se alojou e iniciou uma série de meditações e dormiu.
     Após trinta e seis horas de viagem, o barco finalmente chegou. Em Monte Dourado ele foi encaminhado ao setor de pessoal e, então soube que trabalharia na plantação de Gmelina arborea. Fez os registros de praxe, como a assinatura do contrato de trabalho e da carteira.
     Fez amizades com alguns colegas, alguns com algum tempo de serviço na empresa. No primeiro mês em que recebeu seu salário, Orlandinho foi convidado pelos companheiros a tomar umas cervejas no Beiradão. O Beiradão ficava do outro lado do Rio Jari, já fazendo parte do Estado do Amapá.
Todo desconfiado ele aceitou o convite. Eram quatro. Deixaram o alojamento e partiram. Na margem do Pará subiram numa catraia (canoa motorizada) e foram para o Beiradão. As águas do rio Jari estavam altas. Lá chegando entraram em um dos inúmeros bares. E Orlandinho, apreensivo. Pediram duas cervejas e um tira-gosto. De repente, em um outro bar próximo, aconteceu uma confusão. Dois sujeitos se engalfinhavam numa briga ferrenha, por causa de uma mulher. E o pau comeu, pois mais gente se meteu na briga. A polícia chegou a pedido do dono do bar. Os presos foram mandados para o Pau do Boi (nome dado pelos peões â cadeia local). Os ânimos se acalmaram e a música comeu no centro – só brega e mulher feia. Logo Orlandinho comentou, tal Jorge: “Muié fêa e burro véio só o dono anda atrás”...
     Depois de algumas cervejas (quase naturais) e alguns peixes-fritos, e de pileque, Orlandinho sentiu uma tremenda dor de barriga. Êh sumano, por favor, onde fica o banheiro? O dono do bar apontou:     -“É logo ali karái!”
     Orlandinho teve que esperar um sujeito bêbado, que estava urinando. Finalmente ele entrou. O efeito foi rápido e a onomatopéia desceu com mais de mil: Práááááááá!!!!!!. E Orlandinho sentiu uma coisa estranha. Peixes, vários peixes nadavam ali, bem pertinho, logo abaixo da privada que não passava de um caixote, montado na palafita. E ele reconheceu os Pacus, Bagres e Pacamões...   Procurou pelo papel higiênico e... nada! De repente ele notou um papel  escrito na parede de tábuas que ele quase não conseguiu ler a grafia, em que se podia ler:

“Quando entro neste banheiro,
Sinto uma tristeza profunda;
Quando a merda bate na água
E a água me lava a bunda!...”

E agora? Perguntou-se a si próprio

O que é que vou dizer
Com a perna toda cagada,
A bunda toda melada
Que merda é que vou fazer?

Orlandinho vestiu as roupas assim mesmo e pulou na água suja do rio. Nunca mais comeu os peixes que viu nadando sob a privada, que o dono do restaurante ali mesmo pescava, em seguida assava, ou cozinhava e ele lhe serviu. Foi à mesa dos colegas, pagou a conta e partiu.

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